sábado, 18 de janeiro de 2020

Gabriela Mistral (Chile: 1889 – 1957)




Ausência

Vai-se de ti o meu corpo gota a gota.
Vai-se o meu rosto em um óleo surdo;
vão-se as minhas mãos em azougue solto;
vão-se os meus pés em dois tempos de pó.
Se vais-te todo, de nós vai-se tudo!

Vai-se a minha voz, da qual eras sino
silenciado a tudo o que não somos.
Vão-se os meus gestos que se enovelavam,
como lançadeiras, sob os teus olhos.
E se de ti se vai o olhar que concede,
ao admirar-te, o junípero e o olmeiro.

Vou-me de ti com os teus mesmos ânimos:
como umidade do teu corpo exalo.
Vou-me de ti com vigília e sonho,
e em tua lembrança fiel me apago.
E à tua memória volto como estes
que não nasceram nem nos pampas nem nos bosques.

Sangue seria e foi-se pelas palmas
do teu labor, nos teus beijos de mosto.
Se tua entranha eu fosse, queimaria
em marchas tuas que não ouço mais,
e em tua paixão que troa na noite
como demência de mar solitário!
De nós vai-se tudo, vai-se tudo!


Ausencia


Se va de ti mi cuerpo gota a gota.
Se va mi cara en un óleo sordo;
se van mis manos en azogue suelto;
se van mis pies en dos tiempos de polvo.
¡Se te va todo, se nos va todo!

Se va mi voz, que te hacía campana
cerrada a cuanto no somos nosotros.
Se van mis gestos que se devanaban,
en lanzaderas, debajo tus ojos.
Y se te va la mirada que entrega,
cuando te mira, el enebro y el olmo.

Me voy de ti con tus mismos alientos:
como humedad de tu cuerpo evaporo.
Me voy de ti con vigilia y con sueño,
y en tu recuerdo más fiel ya me borro.
Y en tu memoria me vuelvo como esos
que no nacieron ni en llanos ni en sotos.

Sangre sería y me fuese en las palmas
de tu labor, y en tu boca de mosto.
Tu entraña fuese, y sería quemada
en marchas tuyas que nunca más oigo,
¡y en tu pasión que retumba en la noche
como demencia de mares solos!
¡Se nos va todo, se nos va todo!



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