terça-feira, 31 de março de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Quarto de hotel

i

À luz cinzenta da reminiscência
que aspira redimir o já vivido
consome-se o ontem fantasma. Sou eu esse
que baila ao pé da árvore e delira
com nuvens que são corpos que são ondas,
com corpos que são nuvens que são praias?
Sou o que toca a água e canta a água,
a nuvem e voa, a árvore e dá folhas,
um corpo e desperta e o contesta?
Consome-se o tempo fantasma:
consome-se o ontem, o hoje se queima e o amanhã.
Tudo o que sonhei dura um minuto
e é um minuto todo o vivido.
Mas não importam séculos ou minutos:
também o tempo da estrela é tempo,
gota de sangue e fogo: piscadela.

ii

Roça minha testa com mãos frias
o rio do passado, e suas memórias
fogem sob minhas pálpebras de pedra.
Nunca se detém em sua corrida
e eu, desde o meu íntimo, o despeço.
Foge de mim o passado?
Fujo com ele, e é aquele que o despede
uma sombra que me imita, oca?
Talvez não seja ele que foge: afasto-me
e ele não me segue, alheio, consumado.
Aquele que fui para na ribeira.
Não me recorda nunca e nem me busca,
não me contempla nem se despede:
contempla, busca o outro fugitivo.
Mas tampouco o outro o recorda.

iii

Não há o antes nem o depois. O que vivi
o estou vivendo ainda?
O que vivi! Fui acaso? Tudo flui:
o que vivi ainda estou morrendo.
Não tem fim o tempo: finge lábios,
minutos, morte, céus, finge infernos,
portas que levam ao nada e nada cruza.
Não há fim, nem paraíso, nem domingo.
Não nos espera Deus no fim de semana.
Dorme, não o despertam nossos gritos.
Só o silêncio o desperta.
Quando se cale tudo e já não cantem
o sangue, os relógios, as estrelas,
Deus abrirá os olhos
e ao reino de seu nada tornaremos.


Cuarto de Hotel

i

A la luz cenicienta del recuerdo
que quiere redimir lo ya vivido
arde el ayer fantasma. ¿Yo soy ese
que baila al pie del árbol y delira
con nubes que son cuerpos que son olas,
con cuerpos que son nubes que son playas?
¿Soy el que toca el agua y canta el agua,
la nube y vuela, el árbol y echa hojas,
un cuerpo y se despierta y le contesta?
Arde el tiempo fantasma:
arde el ayer, el hoy se quema y el mañana.
Todo lo que soñé dura un minuto
y es un minuto todo lo vivido.
Pero no importan siglos o minutos:
también el tiempo de la estrella es tiempo,
gota de sangre o fuego: parpadeo.

ii

Roza mi frente con sus manos frías
el río del pasado y sus memorias
huyen bajo mis párpados de piedra.
No se detiene nunca su carrera
y yo, desde mí mismo, lo despido.
¿Huye de mí el pasado?
¿Huyo con él y aquel que lo despide
es una sombra que me finge, hueca?
Quizá no es él quien huye: yo me alejo
y él no me sigue, ajeno, consumado.
Aquel que fui se queda en la ribera.
No me recuerda nunca ni me busca,
no me contempla ni despide:
contempla, busca a otro fugitivo.
Pero tampoco el otro lo recuerda.

iii

No hay antes ni después. ¿Lo que viví
lo estoy viviendo todavía?
¡Lo que viví! ¿Fui acaso? Todo fluye:
lo que viví lo estoy muriendo todavía.
No tiene fin el tiempo: finge labios,
minutos, muerte, cielos, finge infiernos,
puertas que dan a nada y nadie cruza.
No hay fin, ni paraíso, ni domingo.
No nos espera Dios al fin de semana.
Duerme, no lo despiertan nuestros gritos.
Sólo el silencio lo despierta.
Cuando se calle todo y ya no canten
la sangre, los relojes, las estrellas,
Dios abrirá los ojos
y al reino de su nada volveremos.




segunda-feira, 30 de março de 2020

Ben Jonson (Inglaterra: 1572 – 1637)




Ampulheta

(tradução absolutamente livre)

Considera esse punhado de pó, nessa ampulheta,
Por átomos movimentado:
Acreditarias que aqui o corpo está
De alguém que amou e foi amado;
E na flama de sua amante, como mosca a voejar,
Foi por ela a cinzas reduzido com um olhar:
Sim; e na morte, como em vida amaldiçoado
Por não ter se declarado,
Mesmo em cinzas amantes nunca estão sossegados.


Hourglass


Consider this small dust, here in the glass,
By atoms moved:
Could you believe that this the body was
Of one that loved;
And in his mistress' flame playing like a fly,
Was turned to cinders by her eye:
Yes; and in death, as life unblest,
To have't exprest,
Even ashes of lovers find no rest.






domingo, 29 de março de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)




O Que é Nosso


Teu é o tempo enquanto teu corpo vive
com o tremor do mundo,
o tempo, não teu corpo.
Teu corpo estava aqui, estendido ao sol, sonhando;
despertou contigo numa manhã
quando a terra quis.

Teu é o tato das mãos, não as mãos;
a luz enchendo os olhos, não os olhos;
talvez uma árvore, um pássaro que contemplas,
o resto não te pertence.
O que a terra empresta aqui perdura,
é da terra.

Apenas trouxemos o tempo em que vivemos
entre o relâmpago e o vento;
o tempo em que teu corpo gira com o mundo,
o dia de hoje, o grito diante do milagre;
a chama que arde com a vela, não a vela,
o nada de onde tudo se ergue
– isso é nosso.


Lo Nuestro


Tuyo es el tiempo cuando tu cuerpo pasa
con el temblor del mundo,
el tiempo, no tu cuerpo.
Tu cuerpo estaba aquí, tendido al sol, soñando;
se despertó contigo una mañana
cuando quiso la tierra.

Tuyo es el tacto de las manos, no las manos;
la luz llenándote los ojos, no los ojos;
acaso un árbol, un pájaro que mires,
lo demás es ajeno.
Cuanto la tierra presta aquí se queda,
es de la tierra.

Sólo trajimos el tiempo de estar vivos
entre el relámpago y el viento;
el tiempo en que tu cuerpo gira con el mundo,
el hoy, el grito delante del milagro;
la llama que arde con la vela, no la vela,
la nada de donde todo se suspende
– eso es lo nuestro.



sábado, 28 de março de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)




A Terra Girou para Aproximar-nos


A terra girou para aproximar-nos,
girou sobre si mesma e em nós,
até unir-nos por fim em um só sonho,
como escrito no Simpósio.
Passaram-se noites, neves e solstícios;
passou o tempo em minutos e milênios.
Uma carreta que ia para Nínive
chegou a Nebraska.
Um galo cantou longe do mundo,
na milésima vida anterior à de nossos pais.
A terra girou musicalmente
levando-nos a bordo;
não cessou de girar por um só instante,
como se tanto amor, tanto milagre
apenas fosse um adágio há muito já escrito
entre as partituras do Simpósio.


La tierra giró para acercarnos


La tierra giró para acercarnos,
giró sobre sí misma y en nosotros,
hasta juntarnos por fin en este sueño,
como fue escrito en el Simposio.
Pasaron noches, nieves y solsticios;
pasó el tiempo en minutos y milenios.
Una carreta que iba para Nínive
llegó a Nebraska.
Un gallo cantó lejos del mundo,
en la previda a menos mil de nuestros padres.
La tierra giró musicalmente
llevándonos a bordo;
no cesó de girar un solo instante,
como si tanto amor, tanto milagro
sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito
entre las partituras del Simposio.



sexta-feira, 27 de março de 2020

Eugenio Montejo (Venezuela: 1938 – 2008)



 Escrita


Nalguma vez escreverei com pedras,
medindo uma a uma as minhas frases
por seu peso, volume, movimento.
Estou cansado de palavras.

Não mais lápis: andaimes, teodolitos,
o desnudamento solar do sentimento
tatuando na profundeza das rochas
sua música secreta.

Desenharei com linhas de cascalhos
o meu nome, a história de minha casa
e a memória daquele rio
que vai passando sempre e sem demora
por entre minhas veias como sábio arquiteto.

Com pedra escreverei o meu canto
em arcos, pontes, dolmens, colunas,
defronte a solidão do horizonte,
como um mapa que se abra ante os olhos
dos viajantes que não regressam nunca.


Escritura


Alguna vez escribiré con piedras,
midiendo cada una de mis frases
por su peso, volumen, movimiento.
Estoy cansado de palabras.

No más lápiz: andamios, teodolitos,
la desnudez solar del sentimiento
tatuando en lo profundo de las rocas
su música secreta.

Dibujaré con líneas de guijarros
mi nombre, la historia de mi casa
y la memoria de aquel río
que va pasando siempre y se demora
entre mis venas como sabio arquitecto.

Con piedra viva escribiré mi canto
en arcos, puentes, dólmenes, columnas,
frente a la soledad del horizonte,
como un mapa que se abra ante los ojos
de los viajeros que no regresan nunca.




quinta-feira, 26 de março de 2020

José Martí (Cuba: 1853 – 1895)



Cultivo uma rosa branca


Cultivo uma rosa branca
em junho como em janeiro
para o amigo sincero
que me dá a sua mão franca.
E para o cruel que me arranca
o coração com que vivo,
nem cardo ou urtiga cultivo;
cultivo uma rosa branca.


Cultivo una rosa bianca


Cultivo una rosa blanca
en junio como en enero
para el amigo sincero
que me da su mano franca.
Y para el cruel que me arranca
el corazón con que vivo,
cardo ni ortiga cultivo;
cultivo la rosa blanca.



quarta-feira, 25 de março de 2020

José Martí (Cuba: 1853 – 1895)




E busquei-te por povoados


E busquei-te por povoados,
e busquei-te por céus nublados,
e para encontrar tua alma
Muitos lírios abri, lírios azulados.

E os tristes chorando disseram-me:
Oh, que padecer mais desconsolado!
Pois tua alma há muito que vivia
Em um lírio amarelado!

Mas diz-me: qual o sucedido?
Eu, a minha alma em meu peito não tinha?
Ontem de ti me fiz conhecido,
E a alma que aqui tenho não é a minha.


Y te busqué por pueblos


Y te busqué por pueblos,
Y te busqué en las nubes,
Y para hallar tu alma
Muchos lirios abrí, lirios azules.

Y los tristes llorando me dijeron:
?¡Oh, qué dolor tan vivo!
¡Que tu alma ha mucho tiempo que vivía
En un lirio amarillo!

Mas dime ?¿cómo ha sido?
¿Yo mi alma en mi pecho no tenía?
Ayer te he conocido,
Y el alma que aquí tengo no es la mía.

terça-feira, 24 de março de 2020

Juan Gelman (Argentina: 1930 – 2014)



Confianças


Senta-te à mesa e escreve
"com estes versos não tomarás o poder" diz
"com estes versos não farás a Revolução" diz
"nem com milhares de versos farás a Revolução" diz

e mais: esses versos não haverão de servir para
que trabalhadores mestres lenhadores vivam melhor
comam melhor ou possam comer viver melhor
nem para conquistar uma mulher lhe servirão

não ganharás dinheiro com eles
não entrarás gratuitamente no cinema com eles
não te darão roupas por eles
não conseguirás cigarros ou vinho com eles

nem papagaios nem cachecóis nem barcos
nem touros nem guarda-chuvas conseguirás com eles
se deles depender a chuva te molhará
não obterás perdão ou agradecimento por eles

"com este poema não tomarás o poder" diz
"com estes versos não farás a Revolução" diz
"nem com milhares de versos farás a Revolução" diz
senta-se à mesa e escreve


Confianzas


se sienta a la mesa y escribe
«con este poema no tomarás el poder» dice
«con estos versos no harás la Revolución» dice
«ni con miles de versos harás la Revolución» dice

y más: esos versos no han de servirle para
que peones maestros hacheros vivan mejor
coman mejor o él mismo coma viva mejor
ni para enamorar a una le servirán

no ganará plata con ellos
no entrará al cine gratis con ellos
no le darán ropa por ellos
no conseguirá tabaco o vino por ellos

ni papagayos ni bufandas ni barcos
ni toros ni paraguas conseguirá por ellos
si por ellos fuera la lluvia lo mojará
no alcanzará perdón o gracia por ellos

«con este poema no tomarás el poder» dice
«con estos versos no harás la Revolución» dice
«ni con miles de versos harás la Revolución» dice
se sienta a la mesa y escribe




segunda-feira, 23 de março de 2020

Luis Cernuda (Espanha: 1902 - 1963)



Aqui Nesta Beirada Branca...


Aqui
nesta beirada branca
do leito em que tu dormes
vejo-me à borda mesma
de teu sonho. Outro passo
e eu cairia sobre
suas ondas, rompendo-o
como a um cristal. Ascende
o calor de teu sonho,
até meu rosto. Teu hálito
sincroniza o andamento
do sonhar: vai sem pressa.
Um sopro incerto, leve,
cede-me esse tesouro
com precisão: o pulsar
de teu viver sonhando.
Olho. Vejo o tecido
de que é feito teu sonho.
Está sobre teu corpo
como couraça tênue.
Cerca-te de respeito.
À virgem tu recorres
toda inteira, desnuda,
quando estás a sonhar.
Na borda são suspensos
os anseios e os beijos:
esperam, já sem pressa,
que ao descerrar os olhos,
abdiques de teu ser
invulnerável. Busco
por teu sonho. E com a alma
dobrada sobre ti,
os olhares percorrem,
tua carne diáfana,
e apartam docemente
as feições de teu corpo,
buscando o que há por trás
das formas de teu sonho.
Nada encontram. E então
penso em teu sonho. Quero
elucidá-lo. As cifras
não servem, não é secreto.
É sonho e não mistério.
Súbito, na mais densa
quietude da noite,
um sonho meu começa
na borda de teu corpo;
nele, eu percebo o teu.
Tu dormindo, eu velando,
éramos semelhantes.
Não havia o que buscar:
teu sonho era meu sonho.


Aquí en esta orilla blanca...


Aquí
en esta orilla blanca
del lecho donde duermes
estoy al borde mismo
de tu sueño. Si diera
un paso mas, caerla
en sus ondas, rompiéndolo
como un cristal. Me sube
el calor de tu sueño
hasta el rostro. Tu hálito
te mide la andadura
del soñar: va despacio.
Un soplo alterno, leve
me entrega ese tesoro
exactamente: el ritmo
de tu vivir soñando.
Miro. Veo la estofa
de que está hecho tu sueño.
La tienes sobre el cuerpo
como coraza ingrávida.
Te cerca de respeto.
A tu virgen te vuelves
toda entera, desnuda,
cuando te vas al sueño.
En la orilla se paran
las ansias y los besos:
esperan, ya sin prisa,
a que abriendo los ojos
renuncies a tu ser
invulnerable. Busco
tu sueño. Con mi alma
doblada sobre ti
las miradas recorren,
traslúcida, tu carne
y apartan dulcemente
las señas corporales,
por ver si hallan detrás
las formas de tu sueño.
No lo encuentran. Y entonces
pienso en tu sueño. Quiero
descifrarlo. Las cifras
no sirven, no es secreto.
Es sueño y no misterio.
Y de pronto, en el alto
silencio de la noche,
un soñar mío empieza
al borde de tu cuerpo;
en él el tuyo siento.
Tú dormida, yo en vela,
hacíamos lo mismo.
No había que buscar:
tu sueño era mi sueño.



domingo, 22 de março de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)



Ouve-me como quem ouve chover *


Ouve-me como quem ouve chover,
nem atenta nem distraída,
passos leves, garoa,
água que é ar,
ar que é tempo,
o dia não termina de ir-se,
não chega a noite ainda,
figuração da bruma
ao dobrar a esquina,
figurações do tempo
na curva desta pausa,
ouve-me como quem ouve chover.
Sem ouvir-me, ouvindo o que digo
com os olhos abertos para dentro,
adormecida com os cinco sentidos despertos,
chove, passos leves, rumor de sílabas,
ar e água, palavras que não pesam:
o que fomos e somos,
os dias e os anos, este instante,
tempo sem peso, pesar enorme,
ouve-me como quem ouve chover,
refulge o asfalto úmido,
o vapor se levanta e caminha,
a noite se abre e me olha,
és tu e teu talhe de vapor,
tu e teu rosto de noite,
tu e teu cabelo, relâmpago lento,
cruzas a rua e entras em minha fronte,
passos de água sobre minhas pálpebras,
ouve-me como quem ouve chover,
o asfalto refulge, tu cruzas a rua,
és a bruma errante na noite,
como quem ouve chover.
És a noite adormecida em tua cama,
és o fluxo das ondas de tua respiração,
teus dedos de água molham minha fronte,
teus dedos de chama queimam meus olhos,
teus dedos de ar abrem as pálpebras do tempo,
jorro de aparições e ressurreições,
ouve-me como quem ouve chover,
passam os anos, regressam os instantes,
ouves teus passos no quarto vizinho?
não aqui nem lá; ouve-os
em outro tempo que é agora mesmo,
ouve a chuva correr pelo terraço,
a noite já é mais noite no arvoredo,
nas folhagens aninhou-se o raio,
vago jardim à deriva
entra, tua sombra cobre esta página.


Óyeme como quien oye llover


Óyeme como quien oye llover,
ni atenta ni distraída,
pasos leves, llovizna,
agua que es aire,
aire que es tiempo,
el día no acaba de irse,
la noche no llega todavía,
figuraciones de la niebla
al doblar la esquina,
figuraciones del tiempo
en el recodo de esta pausa,
óyeme como quien oye llover.
Sin oírme, oyendo lo que digo
con los ojos abiertos hacia adentro,
dormida con los cinco sentidos despiertos,
llueve, pasos leves, rumor de sílabas,
aire y agua, palabras que no pesan:
lo que fuimos y somos,
los días y los años, este instante,
tiempo sin peso, pesadumbre enorme,
óyeme como quien oye llover,
relumbra el asfalto húmedo,
el vaho se levanta y camina,
la noche se abre y me mira,
eres tú y tu talle de vaho,
tú y tu cara de noche,
tú y tu pelo, lento relámpago,
cruzas la calle y entras en mi frente,
pasos de agua sobre mis párpados,
óyeme como quien oye llover,
el asfalto relumbra, tú cruzas la calle,
es la niebla errante en la noche,
como quien oye llover.
Es la noche dormida en tu cama,
es el oleaje de tu respiración,
tus dedos de agua mojan mi frente,
tus dedos de llama queman mis ojos,
tus dedos de aire abren los párpados del tiempo,
manar de apariciones y resurrecciones,
óyeme como quien oye llover,
pasan los años, regresan los instantes,
¿oyes tus pasos en el cuarto vecino?
no aquí ni allá: los oyes
en otro tiempo que es ahora mismo,
oye los pasos del tiempo
inventor de lugares sin peso ni sitio,
oye la lluvia correr por la terraza,
la noche ya es más noche en la arboleda,
en los follajes ha anidado el rayo,
vago jardín a la deriva
entra, tu sombra cubre esta página.



*) Em espanhol a expressão “como quien oye llover” denota pouco apreço ao que se ouve ou acontece. Equivale ao nosso “entrou por um ouvido e saiu pelo outro”.



sábado, 21 de março de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)



Soneto I


Imóvel sob a luz, porém dançante,
teu movimento à quietez se cria,
no cimo da vertigem se associa
detendo, não o voo, senão o instante.

Luz que não se espalha, já diamante,
apresado esplendor do meio-dia,
sol que não se consome nem esfria
de cinzas e chamas equidistante.

Espada, fogo, incêndio cinzelado,
que nem a sede aviva nem a mata,
absorta luz, luzeiro ensimesmado:

Teu corpo de si mesmo se desata
e tomba e dispersa tua brancura
e tornas a ser água e terra escura.


Soneto I


Inmóvil en la luz, pero danzante,
tu movimiento a la quietud se cría
en la cima del vértigo se alía
deteniendo, no al vuelo, sí al instante.

Luz que no se derrama, ya diamante,
detenido esplendor del mediodía,
sol que no se consume ni se enfría
de cenizas y fuego equidistante.

Espada, llama, incendio cincelado,
que ni mi sed aviva ni la mata,
absorta luz, lucero ensimismado

tu cuerpo de sí mismo se desata
y cae y se dispersa tu blancura
y vuelves a ser agua y tierra oscura.


Soneto II


O mar, o mar e tu, plural espelho,
o mar de torso preguiçoso e lento
nadando pelo mar, o mar sedento:
o mar que morre e nasce em fugaz brilho.

O mar e tu, seu mar, o mar espelho:
rocha que escala o mar com passo lento,
pilar de sal que abate o mar sedento,
sede e vaivém e apenas fugaz brilho.

Da soma dos instantes em que cresces,
do círculo das imagens deste ano,
retenho um mês de espumas e de peixes,

e embaixo de céus líquidos de estanho
teu corpo que na luz abre baías
no escuro fluxo das ondas dos dias.


Soneto II


El mar, el mar y tú, plural espejo,
el mar de torso perezoso y lento
nadando por el mar, del mar sediento:
el mar que muere y nace en un reflejo.

El mar y tú, su mar, el mar espejo:
roca que escala el mar con paso lento,
pilar de sal que abate el mar sediento,
sed y vaivén y apenas un reflejo.

De la suma de instantes en que creces,
del círculo de imágenes del año,
retengo un mes de espumas y de peces,

y bajo cielos líquidos de estaño
tu cuerpo que en la luz abre bahías
al oscuro oleaje de los días.




sexta-feira, 20 de março de 2020

Luis Cernuda (Espanha: 1902 – 1963)



Como Preencher-te, Solidão


Como preencher-te, solidão,
senão contigo mesma...
Desde criança, entre os pobres abrigos da terra,
quieto num canto escuro,
buscava por ti, flamejante grinalda,
minhas auroras futuras e furtivos noturnos,
e em ti os vislumbrava,
naturais e precisos, também livres e fiéis,
à minha semelhança,
à tua semelhança, eterna solidão.
Perdi-me logo pela terra injusta
como quem busca amigos ou ignorados amantes;
dessemelhante no mundo,
fui luz serena e anelo desenfreado,
e na chuva sombria ou no sol luminoso
queria uma verdade que a ti atraiçoasse,
esquecendo em meu afã
que as asas fugitivas sua própria nuvem criam.
E ao velarem-se meus olhos
com nuvens sobre nuvens de outono extravasado
a luz daqueles dias em ti mesma entrevistos,
neguei-te por bem pouco;
por pequenos amores nem certos nem fingidos,
por quietas amizades de poltrona e gesto,
por um nome de reduzida calda num mundo fantasma,
pelos velhos prazeres proibidos
como pelos permitidos e nauseantes,
úteis apenas para o elegante salão discreto,
em bocas de mentira e palavras de gelo.
Por ti encontro agora o eco da antiga pessoa
que fui,
que eu mesmo manchei com aquelas traições juvenis;
por ti me encontro agora, constelados achados,
limpos de outro desejo,
o sol, meu deus, a noite rumorosa,
a chuva, intimidade de sempre,
o bosque e sua exalação pagã,
o mar, o mar como seu nome formoso;
e sobre todos eles,
corpo escuro e esbelto,
encontro a ti, tu, solidão tão minha,
e tu me dás forças e debilidade
como à ave cansada os braços da pedra.
Debruçado ao balcão fito insaciável o fluxo das ondas,
ouço suas escuras imprecações,
contemplo suas brancas carícias;
e suspenso em berço vigilante
sou na noite um diamante que gira advertindo os homens,
pelos quais vivo, ainda quando não os vejo;
e assim, deles distante,
já esquecidos seus nomes, amo-os em grande quantidade,
roucos e violentos como o mar sabe sê-lo
quando chegada a hora do repouso que sua força conquista.
Tu, verdade solitária,
transparente paixão, minha solidão de sempre,
és um imenso abraço;
o sol, o mar
a escuridão, a estepe,
o homem e seu desejo,
a irada multidão,
que são eles, senão tu mesma?
Por ti, minha solidão, busquei-os um dia;
em ti, minha solidão, amo-os agora.


Como Llenarte, Soledad


Cómo llenarte, soledad,
sino contigo misma...
De niño, entre las pobres guaridas de la tierra,
quieto en ángulo oscuro,
buscaba en ti, encendida guirnalda,
mis auroras futuras y furtivos nocturnos,
y en ti los vislumbraba,
naturales y exactos, también libres y fieles,
a semejanza mía,
a semejanza tuya, eterna soledad.
Me perdí luego por la tierra injusta
como quien busca amigos o ignorados amantes;
diverso con el mundo,
fui luz serena y anhelo desbocado,
y en la lluvia sombría o en el sol evidente
quería una verdad que a ti te traicionase,
olvidando en mi afán
cómo las alas fugitivas su propia nube crean.
Y al velarse a mis ojos
con nubes sobre nubes de otoño desbordado
la luz de aquellos días en ti misma entrevistos,
te negué por bien poco;
por menudos amores ni ciertos ni fingidos,
por quietas amistades de sillón y de gesto,
por un nombre de reducida cola en un mundo fantasma,
por los viejos placeres prohibidos
como los permitidos nauseabundos,
útiles solamente para el elegante salón susurrado,
en bocas de mentira y palabras de hielo.
Por ti me encuentro ahora el eco de la antigua persona
que yo fui,
que yo mismo manché con aquellas juveniles traiciones;
por ti me encuentro ahora, constelados hallazgos,
limpios de otro deseo,
el sol, mi dios, la noche rumorosa,
la lluvia, intimidad de siempre,
el bosque y su alentar pagano,
el mar, el mar como su nombre hermoso;
y sobre todo ellos,
cuerpo oscuro y esbelto,
te encuentro a ti, tú, soledad tan mía,
y tú me das fuerza y debilidad
como el ave cansada los brazos de la piedra.
Acodado al balcón miro insaciable el oleaje,
oigo sus oscuras imprecaciones,
contemplo sus blancas caricias;
y erguido desde cuna vigilante
soy en la noche un diamante que gira advirtiendo a los hombres,
por quienes vivo, aún cuando no los vea;
y así, lejos de ellos,
ya olvidados sus nombres, los amo en muchedumbres,
roncas y violentas como el mar, mi morada,
puras ante la espera de una revolución ardiente
o rendidas y dóciles, como el mar sabe serlo
cuando toca la hora de reposo que su fuerza conquista.
Tú, verdad solitaria,
transparente pasión, mi soledad de siempre,
eres inmenso abrazo;
el sol, el mar,
la oscuridad, la estepa,
el hombre y su deseo,
la airada muchedumbre,
¿qué son sino tú misma?
Por ti, mi soledad, los busqué un día;
en ti, mi soledad, los amo ahora.



quinta-feira, 19 de março de 2020

Federico Garcia Lorca (Espanha: 1898 – 1936)




A Esposa Infiel


E eu que até o rio a levei
pensando que era donzela,
mas possuía um marido.

Foi na noite de São Tiago
e quase por compromisso.
Os lampeões se apagaram
e se acenderam os grilos.
Nas derradeiras esquinas
toquei seus seios dormidos,
e eles se abriram de súbito
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
soava em meus ouvidos,
como uma peça de seda
rasgada por dez punhais.
Sem luz de prata nas copas
as árvores mais cresceram,
e um horizonte de cães
ladra bem longe do rio.

Passadas as amoreiras,
os juncos e os espinheiros,
sob seus longos cabelos
fiz sobre a terra uma cova.
Retirei minha gravata.
Ela tirou seu vestido.
Eu, o cinturão com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem nardo nem caracol
tem a cútis tão suave,
nem os cristais sob a lua
reluzem com esse brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes surpreendidos,
metade plenas de lume,
metade plenas de frio.
Naquela noite corri
o melhor de meus caminhos,
montado em potra de nácar
sem bridões e sem estribos.
Não posso dizer, sendo homem,
das coisas que ela me disse.
A luz da compreensão
faz-me ser bem comedido.
Suja de beijos e areia
distanciei-a do rio.
De encontro ao vento as espadas
dos lírios se debatiam.

Portei-me como quem sou.
Como um cigano legítimo.
Dei-lhe estojo de costura
grande, liso e cor de palha,
e não quis enamorar-me
pois mesmo tendo um marido
ela disse ser donzela
quando a levava até o rio.


La Casada Infiel


Y que yo me la llevé al río
creyendo que era mozuela,
pero tenía marido.

Fue la noche de Santiago
y casi por compromiso.
Se apagaron los faroles
y se encendieron los grillos.
En las últimas esquinas
toqué sus pechos dormidos,
y se me abrieron de pronto
como ramos de jacintos.
El almidón de su enagua
me sonaba en el oído,
como una pieza de seda
rasgada por diez cuchillos.
Sin luz de plata en sus copas
los árboles han crecido,
y un horizonte de perros
ladra muy lejos del río.

Pasadas las zarzamoras,
los juncos y los espinos,
bajo su mata de pelo
hice un hoyo sobre el limo.
Yo me quité la corbata.
Ella se quitó el vestido.
Yo el cinturón con revólver.
Ella sus cuatro corpiños.
Ni nardos ni caracolas
tienen el cutis tan fino,
ni los cristales con luna
relumbran con ese brillo.
Sus muslos se me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad llenos de lumbre,
la mitad llenos de frío.
Aquella noche corrí
el mejor de los caminos,
montado en potra de nácar
sin bridas y sin estribos.
No quiero decir, por hombre,
las cosas que ella me dijo.
La luz del entendimiento
me hace ser muy comedido.
Sucia de besos y arena
yo me la llevé del río.
Con el aire se batían
las espadas de los lirios.

Me porté como quien soy.
Como un gitano legítimo.
Le regalé un costurero
grande de raso pajizo,
y no quise enamorarme
porque teniendo marido
me dijo que era mozuela
cuando la llevaba al río.




quarta-feira, 18 de março de 2020

Francisco Véjar Paredes (Chile: 1967 – )




O que te ofereço


Nada do que te ofereço
é impossível:
Um céu sulcado de pássaros, carícias como nuvens
– os inimitáveis batimentos do coração –
Tudo isso é possível
sem sequer recorrer-se à fantasia.

Não somos mais que pegadas prateadas
que deixam os caracóis nos lugares
visitados em sonhos.
E ninguém perguntará em que dia
nem em que mês estamos.

Um cone de luz penetrando no tempo
é o que devemos salvar.
A ilusão de estarmos um com o outro.

Nada do que te ofereço
pode ser impossível:
pensamentos que voam como pássaros
uma ponte entre os nossos dois mundos.


Lo que te ofrezco


Nada de lo que te ofrezco
es imposible:
un cielo surcado de pájaros, caricias como nubes
-los inimitables latidos de tu corazón-
Todo eso es posible
sin siquiera recurrir a la fantasía.

No somos más que las huellas plateadas
que dejan los caracoles en los lugares
visitados en sueños.
Ya nadie preguntará en qué día
ni en qué mes estamos.

Una cuña de luz entrando en el tiempo
es lo que debemos ahorrar.
La ilusión de estar el uno con el otro.

Nada de lo que te ofrezco
puede ser imposible:
pensamientos que vuelan como pájaros
un puente entre ambos mundos.

terça-feira, 17 de março de 2020

Francisco de Quevedo (Espanha: 1580 - 1645)




Definição de Amor


É gelo que queima, é fogo gelado,
é ferimento que dói e não se sente,
é um almejado bem, um mal presente,
é um breve descanso muito cansado.

É um descuido que só nos dá cuidado,
Um covarde com nome de valente,
um solitário andar por entre a gente,
um amar tão somente ser amado.

É qual uma liberdade enjaulada,
que dura até o postremo paroxismo;
doença que piora se é curada.

Esta é a criança, Amor, este é o seu abismo.
Olha que amizade terá com nada
o que em tudo é o contrário de si mesmo!


Definición de Amor


Es hielo abrazador, es fuego helado,
es herida que duele y no se siente,
es un soñado bien, un mal presente,
es un breve descanso muy cansado.

Es un descuido que nos da cuidado,
un cobarde con nombre de valiente,
un andar solitario entre la gente,
un amar solamente ser amado.

Es una libertad encarcelada,
que dura hasta el postrero paroxismo;
enfermedad que crece si es curada.

Este es el niño, Amor, éste es su abismo.
¡Mirad cual amistad tendrá con nada
el que en todo es contrario de sí mismo!

segunda-feira, 16 de março de 2020

William Shakespeare (Inglaterra: 1564 – 1616)



Rei Lear, Ato III, Cena IV

Lear

Míseros seres nus, quaisquer que sejam,
Que sofrem nesta cruel tempestade.
Como teus corpos sem teto e famélicos
E os teus andrajos vos protegerão
De estações iguais a estas?
Quão pouca importância vos dediquei!
Engula o remédio, pompa;
Expõe-te ao que os miseráveis padecem,
Para que possas lhes dar teu supérfluo
E lhes mostrar céus mais justos.


King Lear, Act III, Sc. IV

Lear

Poor naked wretches, wheresoe’er you are,
That bide the pelting of this pitiless storm,
How shall your houseless heads and unfed sides,
Your loop’d and window’d reggedness, defend you
From seasons such as these?
O, I have ta’en too little care of this!
Take physic, pomp;
Expose thyself what wretches feel,
That thou mayst shake the superflux to them
And show the heavens more just.


Macbeth, Ato V, Cena V


Macbeth:

O amanhã, e o amanhã, e o amanhã
Arrasta-se em seu reles passo a cada dia
Até a última sílaba do tempo marcado,
E todos os ontens aclararam a senda
Dos tolos rumo à morte. Vá, chama fugaz!
A vida é uma sombra errante, um ator banal
Que se pavoneia e exalta sua hora em cena
E então não mais é ouvido: é um conto narrado
Por um idiota, pleno de som e fúria,
Sem nenhum sentido.


To-morrow, and to-morrow, and to-morrow,
Creeps in this petty pace from day to day
To the last syllable of recorded time,
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death. Out, out, brief candle!
Life's but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.


A Tempestade, Ato IV, Cena I


Próspero:

Nossos festins terminaram; nossos atores,
Como predisse a vós, eram todos espíritos
e estão dissolvidos no ar, no rarefeito ar:
E, como a infundada trama desta visão,
As torres que vão ao céu, os palácios deslumbrantes,
Os templos solenes, o próprio vasto globo,
Todos aqueles que o herdem, se dissolverão
E, assim como passou esse impalpável cortejo,
Não deixarão traços. Somos da mesma essência
Que produz os sonhos, e nossa breve vida
É cingida por um sono. Estou afrontado;
Tolerai esta fraqueza; atordoa-me o cérebro:
Que não vos perturbe a minha debilidade.


Prospero:

Our revels now are ended. These our actors,
As I foretold you, were all spirits and
Are melted into air, into thin air:
And, like the baseless fabric of this vision,
The cloud-capp'd towers, the gorgeous palaces,
The solemn temples, the great globe itself,
Ye all which it inherit, shall dissolve
And, like this insubstantial pageant faded,
Leave not a rack behind. We are such stuff
As dreams are made on, and our little life
Is rounded with a sleep. Sir, I am vex’d;
Bear with my weakness; my, brain is troubled:
Be not disturb'd with my infirmity.




domingo, 15 de março de 2020

Octavio Paz (México: 1914 – 1998)




Acabar com Tudo


Dá-me, chama invisível, espada fria,
tua persistente cólera,
para acabar com tudo,
oh mundo seco,
oh mundo dessangrado,
para acabar com tudo.
Arde, sombrio, arde sem chamas,
apagado e ardente,
cinza e pedra viva,
deserto sem bordas.
Arde no vasto céu, laje e nuvem,
sob a luz cega que desmorona
entre estéreis sofrimentos.
Arde na solidão que nos desfaz,
terra de pedra ardente,
de raízes geladas e sedentas.
Arde, furor oculto,
cinza que enlouquece,
arde invisível, arde
como o mar impotente engendra nuvens,
ondas como o rancor e espumas pétreas.
Entre meus ossos delirantes, arde;
arde dentro do ar vazio,
forno invisível e puro;
arde como arde o tempo,
como caminha o tempo por entre a morte,
com seus mesmos passos e seu fôlego;
arde como a solidão que te devora,
arde em ti mesmo, ardor sem chama,
solidão sem imagem, sede sem lábios.
Para acabar com tudo,
oh mundo seco,
para acabar com tudo.


Acabar con Todo


Dame, llama invisible, espada fría,
tu persistente cólera,
para acabar con todo,
oh mundo seco,
oh mundo desangrado,
para acabar con todo.
Arde, sombrío, arde sin llamas,
apagado y ardiente,
ceniza y piedra viva,
desierto sin orillas.
Arde en el vasto cielo, laja y nube,
bajo la ciega luz que se desploma
entre estériles peñas.
Arde en la soledad que nos deshace,
tierra de piedra ardiente,
de raíces heladas y sedientas.
Arde, furor oculto,
ceniza que enloquece,
arde invisible, arde
como el mar impotente engendra nubes,
olas como el rencor y espumas pétreas.
Entre mis huesos delirantes, arde;
arde dentro del aire hueco,
horno invisible y puro;
arde como arde el tiempo,
como camina el tiempo entre la muerte,
con sus mismas pisadas y su aliento;
arde como la soledad que te devora,
arde en ti mismo, ardor sin llama,
soledad sin imagen, sed sin labios.
Para acabar con todo,
oh mundo seco,
para acabar con todo.



Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...