sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Olga Marie Cabral (Trinidad e Tobago: 1909 – EUA, 1997)

 A música de Villa-Lobos

  

Alguém fala uma língua perdida.

É a música de Villa-Lobos.

Tento lembrar: onde foi que

nasci? E em que continente

precocemente estraçalhado? Devo ter sido

uma sacerdotisa entre os caimões

velando a joia que é o olho do

deus crocodilo. Devo ter navegado

por orinocos de diamantes, mares de cocos,

aluguei para sempre o equador e aprendi

minha língua ancestral.

 

Mas só tenho umas velhas capas de chuva

num baú cheio de aranhas

para lembrar meus ancestrais.

Eles não me deixaram

nada, e eu me esqueci

que aquela é a terra de meu nascimento

onde o sol em seu terno de espelhos

avistei por uma só vez com meu olho de feto.

 

Mas na música de Villa-Lobos

um deus com uma torre de verdes fachadas

com pressa avança pelas cidades

de subsolo congelado, e sou de novo

convocada aos jardins do jaguar

vigiada por quedas d’água

onde as gentes dos beija-flores se divertem

longe das auroras frias do norte.

 

Para além da modernidade, somos avisados

em duas línguas pelos cartazes que dizem

a mesma coisa de modo diferente. No bosque

amarelo onde dois caminhos divergem, escolhemos

a ambos, não por arrogância mas por

indecisão, o que, como montar

dois cavalos num só tempo, exige

longas pernas, coxas fortes, e descuidada boa

disposição. O mundo dá uma espiada, cada folha

ampliada, enquanto provamos essa nova sopa

de bar, o sanduíche do desjejum. Cartazes

em duas línguas elogiam bebidas e políticas

de partido. O mundo dá uma espiada e pedaços

de discurso fogem de seus gráficos para perambular

pelo bosque amarelo. É tarde mas logo

o mundo será diferente.

  

The Music of Villa-Lobos

  

Someone is speaking a lost language.

It is the music of Villa-Lobos.

I try to remember: where was I

born? And from what continent

untimely torn? I might have been

a priestess among the caymans

guarding the eye-jewel of the

crocodile god. I might have sailed

orinocos of diamonds, seas of coconuts,

leased the equator for life and learned

my ancestral language.

 

But I have only some old sleeves of rain

in a trunk with spiders

to remember my ancestors by.

They have left me

nothing, and I have forgotten

that is land of my birth

where the sun in his suit of mirrors

was seen once only with my vast fetal eye.

 

But in the music of Villa-Lobos

a god with a tower of green faces

comes striding across cities

of permafrost, and I am summoned

once again to the jaguar gardens

guarded by water falls

where the hummingbird people are at play

far from the cold auroras of the north.

 

 

Beyond modernity, we are warned

by placards in two languages that say

the same thing differently. In the yellow

wood where two roads diverge, we choose

both, not from arrogance but from

indecisiveness, which, like riding

two horses at one time, requires long

legs, strong thighs, and careless good

nature. The world flicks by, each leaf

magnified, as we sample this new bar

soap, that breakfast sandwich. Placards in

two languages praise soft drinks and party

politics. The world flicks by and bites

of speech elude their diagrams to hover

in the yellow wood. It is late and soon

the world will be different.

 

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