terça-feira, 29 de setembro de 2020

Alaide Foppa (Guatemala: 1914 – 1980)

  

Mulher

 

Um ser que ainda não

desiste de ser,

não a remota rosa

angelical,

que os poetas cantaram.

Não a maldita bruxa que

os inquisidores queimaram.

Não a temida e desejada

prostituta.

Não a mãe abençoada.

Não a murcha e ludibriada

Solteirona.

Não a obrigada a ser boa.

Não a obrigada a ser má.

Não a que vive

porque a deixam viver.

Não a que deve sempre

dizer que sim.

Um ser que cuida

de saber quem é

e que começa a existir.

 

Mujer

 

Un ser que aún no

acaba de ser,

no la remota rosa

angelical,

que los poetas cantaron.

No la maldita bruja que

los inquisidores quemaron.

No la temida y deseada

prostituta.

No la madre bendita.

No la marchita y burlada

Solterona.

No la obligada a ser buena.

No la obligada a ser mala.

No la que vive

porque la dejan vivir.

No la que debe siempre

decir que sí.

Un ser que trata

de saber quién es

y que empieza a existir.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Alaide Foppa (Guatemala: 1914 – 1980)

 

Ela se sente às vezes...

 

Ela se sente às vezes

como coisa esquecida

no canto escuro da casa

como fruto devorado por dentro

pelos pássaros rapaces,

como sombra sem rosto e sem peso.

Sua presença é apenas

vibração leve

no ar imóvel.

Sente que a transpassam os olhares

e que se torna névoa

entre os torpes braços

que intentam circundá-la.

Quisera ser ao menos

uma laranja suculenta

na mão de um menino

– não casca vazia –

uma imagem que brilha no espelho

– não sombra que se dissipa –

e uma voz clara

 – não pesado silêncio –

alguma vez ouvida.

 

Ella se siente a veces...

 

Ella se siente a veces

como cosa olvidada

en el rincón oscuro de la casa

como fruto devorado adentro

por los pájaros rapaces,

como sombra sin rostro y sin peso.

Su presencia es apenas

vibración leve

en el aire inmóvil.

Siente que la traspasan las miradas

y que se vuelve niebla

entre los torpes brazos

que intentan circundarla.

Quisiera ser siquiera

una naranja jugosa

en la mano de un niño

-no corteza vacía-

una imagen que brilla en el espejo

-no sombra que se esfuma-

y una voz clara

-no pesado silencio-

alguna vez escuchada.

domingo, 27 de setembro de 2020

Jorge Debravo (Costa Rica 1938 – 1967)

 


 

Desvestido

 

A noite, desejosa, apenumbrada,

tirou-te as sapatilhas, meio ausente...

e – por sentir-se branca e iluminada –

Desnudou os teus joelhos brancamente.

 

Logo – por diversão, sem dizer nada –

a noite carregou tua blusa larga

e arrancou-te a saia ensimesmada

como uma coisa tímida e amarga.

 

Logo após tu fizeste travessura:

desnudaste teus seios por ternura

e – falando de um amor vago, inconexo –

 

Porque sim e porque não, sem censura,

desnudaste também, já noite escura,

a noite pequenina do teu sexo.

 

Desvestido

 

La noche, deseosa, apenumbrada,

te quitó sin pensar las zapatillas...

y –por sentirse blanca y alumbrada

desnudó blancamente tus rodillas.

 

Luego – por diversión, sin decir nada –

la noche se llevó tu blusa larga

y te arrancó la falda ensimismada

como una cosa tímida y amarga.

 

Después te colocaste travesura:

desnudaste tus pechos por ternura

y –hablando de un amor vago, inconexo

 

Porque si y porque no, a medio reproche,

desnudaste también, entre la noche,

la noche pequeñita de tu sexo.

 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Jorge Debravo (Costa Rica: 1938 – 1967)

 

Pequeno Funeral

 

Para ti e mim findaram-se os dezembros

de vento frio e de alcova só.

Tua boca já não se ajusta à minha

e afastou-se de minha pátria a tua.

 

Prendeu-nos o Destino pelos braços

E não nos permitiu a despedida.

Algum deus rancoroso partiu em quatro

pedaços nossas últimas carícias.

 

Não podemos voltar a fazer juntos

o desjejum em pratos irmanados,

nossas pernas cruzadas sob a mesa.

 

Nossas mãos já não são mais nossas mãos.

matou-nos – como um benévolo amigo –

na vasta sala da alma, o entusiasmo.

 

PEQUEÑO FUNERAL


Para ti y yo acabaron los diciembres

de viento frío y de alcoba sola.

Tu patria se ha ido lejos de mi patria

y tu boca no encaja ya en mi boca.


Nos agarró el Destino por los brazos

y no nos permitió la despedida.

Algún dios rencoroso partió en cuatro

pedazos nuestras últimas caricias.

 

No podremos volver a tomar juntos

el desayuno, en platos hermanados,

nuestras piernas en cruz bajo la mesa.

 

Nuestras manos no son ya nuestras manos.

Se nos ha muerto – como un buen amigo –

en la sala del alma, el entusiasmo.

 

 

 

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Leonel Alvarado (Honduras 1967 – )

 


 

Falando de Rembrandt à minha mãe

 

Minha mãe e Rembrandt têm algo em comum:

a dignidade da pobreza. Bruxa de seus pães

alimentava aos filhos com moedas de mentira

e ainda lhe sobrava para o unguento do ferido.

 

Rembrandt regurgitava suas Aves do Paraíso

na boca de seus credores, enfiava moedas de luz

em seus bolsos para pagar aluguel, mesa, amores.

Desesperada, colérica a mão iluminava

com dignidade outras misérias.

 

Minha mãe tinha doze anos quando um autorretrato

de Rembrandt foi destinado à coleção que Hitler

mantinha em Linz. A família Raman o vendeu

a Goering por vinte e cinco vistos para salvar

vinte e cinco vidas dos fornos.

 

Como iria saber Rembrandt que esse retrato,

que talvez o tenha salvado de seus credores,

seria trocado por vidas?

 

Em algum museu esse retrato está e no retrato

a luz que quando menino via no rosto de minha mãe

quando entrava no quarto, pesada de dores mas digna.

No escuro, que torna mais frágeis as coisas,

minha mãe estava em seu melhor Rembrandt,

iluminando o filho com ternura que brotava dos olhos.

 

Agora em seus oitenta, digo-lhe que essa luz

que me acompanhou por todas as noites está

em luxuosas salas de museus que nada têm

a ver com o quarto onde ela e Rembrandt

distraíam-se com seus contos de miséria.

 

Hablándole de Rembrandt a mi madre

 

Mi madre y Rembrandt tienen algo en común:

la dignidad de la pobreza. Bruja de sus panes

alimentaba a los hijos con monedas de mentiras

y todavía le sobraba para el ungüento del herido.

 

Rembrandt regurgitaba sus Aves del Paraíso

en boca de sus acreedores, metía monedas de luz

en sus bolsillos para pagar alquiler, mesa, amores.

Desesperada, rabiosa la mano iluminaba

con dignidad otras miserias.

 

Mi madre tenía doce años cuando un autorretrato

de Rembrandt fue a dar a la colección que Hitler

mantenía en Linz. La familia Raman se lo canjeó

a Goering por veinticinco visas para salvar

veinticinco vidas de los hornos.

 

¿Cómo iba a saber Rembrandt que ese retrato,

que quizá lo salvó de sus acreedores,

se cotizaría en vidas?

 

En algún museo está ese retrato y en el retrato

la luz que de niño veía en la cara de mi madre

cuando entraba al cuarto, pesada de dolores pero digna.

En la oscuridad, que vuelve más frágiles las cosas,

mi madre estaba en su mejor Rembrandt,

iluminando al hijo con la ternura que le brotaba de los ojos.

 

Ahora, en sus ochenta, le digo que esa luz

que me acompañó todas las noches está

en suntuosas salas de museos que nada tienen

que ver con el cuarto donde ella y Rembrandt

distraían con sus cuentos a la miseria.



 

 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Leonel Alvarado (Honduras: 1967 – )

 

a gramática de Marceau

 

que sua gramática vem-lhe de Rodin

diz Marcel Marceau. em um gesto

imperceptível demonstra que o mímico

é a escultura que se põe a andar

à primeira palavra de Deus, seus gestos

 

são o eco da voz de um deus que fala dormindo

e que apenas os mudos podem entender.

assim deve ter sido como os deuses se entediavam

no Grande Nada. dessa forma de mover

o dedo no ar apareceu a terra, o dilúvio

de uma lágrima e de um bocejo de Bip os furacões. [1]

 

o mímico estica o braço para tocar os pensamentos

de Deus antes que se convertam em homem ou mulher

mas na obscuridade das coisas são mais frágeis e a mão

demole as lâmpadas que iluminam a inteligência divina

como o enfermo que à noite busca o vaso de água na mesa da cabeceira.

 

antes do amanhecer a mulher já pensa na costela

de Marcel e nessa ferida que nunca cicatriza

o mímico perde e ganha o Paraíso.

  

la gramática de Marceau

 

que sua gramática le viene de Rodin

dice Marcel Marceau. en um gesto

imperceptible demuestra que el mimo

es la escultura que se echa a andar

a la primera palabra de Dios, sus gestos

 

son el eco de la voz de un dios que habla dormido

y que solo los mudos pueden entender.

así debió ser como los dioses se entendiam

em la Gran Nada. de esa forma de mover

el dedo en el aire apareció la tierra, el diluvio

de una lágrima y de um bostezo de Bip los huracanes.

 

el mimo alarga el brazo para tocar los pensamientos

de Dios antes de que se conviertan em varón y hembra

pero em la oscuridad las cosas son más frágiles y la mano

derriba las lámpadas que alumbram la inteligência divina

como el enfermo que busca el vaso de agua em la mesita de noche.

 

antes del amanecer la hembra ya se piensa en la costilla

de Marcel y en esa herida que nunca cicatriza

el mimo pierde y gana el Paraíso.

 

 

[1] BIP: espécie de palhaço que vestia uma camisola riscada e um chapéu de ópera achatado. Informe-se aqui sobre Marceau: 

https://www.infopedia.pt/$marcel-marceau?uri=portugues-espanhol/bip




segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Leonel Alvarado (Honduras: 1967 – )

 

Uma das melhores fotos do ano

 

Não te amo muito, amor.

Pedro Salinas

 

Agora te amo muito menos, San Pedro Sula.

E é por essa garota que deixaste de amar

à uma da manhã. É o que diz o laudo,

que a deixaste sair de uma festa e com três balas

disseste-lhe que não mais a amava.

 

Caiu de joelhos, como se houvesse suplicado,

disse o fotógrafo da Reuters. Das três balas

a única visível é a das costas: uma mancha

negra em sua blusa amarela. Não há mais luz na rua,

apenas essa blusa iluminada pelo flash.

 

Por um momento, diz a nota, esteve rodeada

de fotógrafos. Mas depois soaram os celulares:

longe dali a cidade havia deixado de amar

a outra garota que talvez também vinha de uma festa

e que talvez também havia suplicado.

 

Não tiveste mais tempo para amar a garota

da blusa amarela. Deixaste-a só, por isso

amo-te menos, cidade, por essa mancha brutal

nas costas, por essa súplica que não ouviste.

 

Como ia saber, essa garota, que ao sair da festa

sua última foto estaria, segundo a Reuters, entre as vinte

fotografias do ano [1]. O jornal se dá ao incômodo

de advertir seus leitores que entre as vinte fotos

selecionadas está a de um cadáver. É o teu, cidade,

ainda que o queiras menos; não me venhas com a conversa

de que estavas ocupada em desamar outra garota.

 

Um policial ficou com a garota, assim termina a nota,

enquanto chegava o legista. Segues nessa rua escura,

cidade, esperando que venham examinar tua blusa,

desdobrar teu corpo imobilizado em súplica, citar teu cadáver

e dar a ti um número que já não podes contestar.

 

 

Una de las mejores fotos del año

 

No te quiero mucho, amor.

Pedro Salinas

 

Ahora te quiero mucho menos, San Pedro Sula.

Y es por esa muchacha que dejaste de querer

a la una de la mañana. Es lo que dice el parte,

que la dejaste salir de una fiesta y con tres balas

le dijiste que no la querías más.

 

Quedó de rodillas, como si hubiera suplicado,

dice el fotógrafo de Reuters. De las tres balas

la única visible es la de la espalda: una mancha

negra en su blusa amarilla. No hay más luz en la calle,

sólo esa blusa iluminada por el flash.

 

Por un momento, dice la nota, estuvo rodeada

de fotógrafos. Pero después sonaron los celulares:

lejos de allí la ciudad había dejado de querer

a otra muchacha que quizá también venía de una fiesta

y que quizá también había suplicado.

 

No hubo más tiempo para querer a la muchacha

de la blusa amarilla. La dejaste sola y por eso

te quiero menos, ciudad, por esa mancha brutal

en la espalda, por esa súplica que no atendiste.

 

Cómo iba a saber esa muchacha que al salir de la fiesta

su última foto estaría, según Reuters, entre las veinte

fotografías del año. El periódico se toma la molestia

de advertir a sus lectores que entre las veinte fotos

seleccionadas hay una de un cadáver. Es el tuyo, ciudad,

aunque lo quieras menos; no me vengas con el cuento

de que estabas ocupada en desquerer a otra muchacha.

 

Un policía se quedó con la muchacha, termina la nota,

mientras llegaba el forense. Sigues en esa calle oscura,

ciudad, esperando que vengan a examinar tu blusa,

desdoblar tu cuerpo anudado en súplica, nombrar tu cadáver

y llamarte a un número que ya no puedes contestar.

 

[1]  https://www.theguardian.com/theobserver/gallery/2013/dec/28/observer-20-photos-of-the-year


 

domingo, 20 de setembro de 2020

Carlo Vallini (Itália: 1885 – 1920)

Um dia

 

Já quis um dia morrer

sobre o rochedo do mar

já quis um dia provar

o gáudio de não sofrer:

 

despojar-me da miséria

deste meu fantasma de homem,

não ter mais forma, ser homem

decomposto na matéria;

 

não ser mais universo

no universo, mas um fôlego

imponderável, um átomo

minúsculo no ar disperso;

 

de esquecer-me ainda terei

do que um dia soube, tudo:

esquecer-me sobretudo

daquilo que não mais sei:

 

ser a vida depravada,

ser a morte consciente,

poder em uma só vez

ser o tudo e ser o nada.

 

Un giorno

 

Avrei voluto morire

sopra lo scoglio del mare,

avrei voluto provare

la gioia di non piu sentire:

 

spogliarmi della miseria

del mio fantasma di uomo,

non aver piu forma: esser l’uomo

scomposto nella materia;

 

non essere piu l’universo

nell’universo, ma un fiato

imponderabile, un atomo

labile in aria disperso;

 

dimenticarmi di cio

che un giorno ho saputo, di tutto:

dimenticar soprattutto

quello che mai non sapro:

 

esser la morte cosciente,

esser la vita dissolta,

potere in una sol volta

essere il tutto ed il niente.

 


Jorge Seferis (Grécia: 1900 – 1971)

  Argonautas   E se a alma deve conhecer-se a si mesma ela deve voltar os olhos para outra alma: * o estrangeiro e inimigo, vim...