sexta-feira, 3 de abril de 2020

Allen Ginsberg (Estados Unidos:1926 – 1997)

 

América

 

 

América eu lhe dei tudo e agora não sou nada.

América dois dólares e vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956.

Não posso aturar minha própria mente.

América quando daremos fim à guerra humana?

Vá se foder com sua bomba atômica.

Não me sinto bem não me aborreça.

Não escreverei meu poema antes de estar em meu juízo perfeito.

América quando você se tornará angelical?

Quando você se despirá de suas vestes?

Quando você enxergará a si mesma através da sepultura?

Quando você será digna de seus milhões de trotskistas?

América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas?

América quando você enviará seus ovos para a Índia? [1]

Estou farto de suas exigências insanas.

Quando poderei ir ao supermercado e comprar o necessário com         minha boa aparência?

América apesar de tudo perfeitos somos eu e você não o resto do mundo.

Seu aparato governamental é demais para mim.

Você me fez querer ser um santo.

Deve haver alguma outra maneira de resolver essa discussão.

Burroughs está em Tânger não acho que voltará o que é sinistro. [2]

Você está sendo sinistra ou isso é um tipo de pegadinha?

Estou tentando ir direto ao assunto.

Eu me recuso a desistir de minha obsessão.

América pare de forçar a barra eu sei o que estou fazendo.

América as flores da ameixeira estão caindo.

Deixei de ler os jornais por muitos meses, a cada dia alguém vai a julgamento por assassinato.

América eu me torno piegas quando se trata dos Wooblies. [3]

América eu era comunista quando criança e não lamento.

Fumei maconha em todo e qualquer ensejo.

Fico sentado em minha casa por dias a fio e olhos fixos nas rosas do closet.

Quando vou a Chinatown me embriago e nunca pego ninguém. [4][5]

Minha mente se rebela vai  haver confusão.

Você devia ter visto eu lendo Marx.

Meu psicanalista pensa que sou perfeitamente normal.

Não vou rezar o Pai Nosso.

Tenho visões místicas e vibrações cósmicas.

América eu ainda não falei do que você fez a Tio Max quando ele veio da Rússia.

Estou falando com você.

Você vai deixar que a nossa vida emocional seja controlada pela revista Time? [6]

Sou doente pela revista Time.

Eu a leio toda semana.

Sua capa me olha toda vez que eu espreito a confeitaria da esquina ao passar.

Leio a revista no porão da Biblioteca Pública de Berkeley.

Ela está sempre me falando de responsabilidade. Os homens de negócios são sérios. Os produtores de cinema são sérios.

Todo mundo é sério menos eu.

Isso me faz pensar que sou a América.

Estou falando sozinho de novo.

 

A Ásia está se levantando contra mim.

Eu não tenho a sorte de um chinês.

Melhor seria considerar meus recursos nacionais.

Meus recursos nacionais se resumem a dois cigarros de maconha

milhões de genitais uma literatura pessoal impublicável que vai

a cerca de 2.000 quilômetros por hora e vinte e cinco mil

manicômios.

Não digo nada dos meus presídios ou dos milhões de deserdados da sorte que vivem em meus vasos de flores sob a luz de quinhentos sóis.

Eu acabei com os puteiros da França, Tânger é a próxima.

Minha ambição é ser presidente embora eu seja católico.

 

América como posso escrever uma litania sagrada à maneira de sua disposição insensata?


Continuarei como Henry Ford minhas estrofes são tão individuais quando seus automóveis ainda mais porque todos eles são de sexos diferentes.


América eu lhe venderei estrofes por $2.500 cada $500 a menos que sua estrofe desgastada.

América liberte Tom Mooney [7]

América salve os legalistas espanhóis [8]

América Sacco & Vanzetti não devem morrer [9]

América eu sou os rapazes de Scottsboro [10]

América aos sete anos mamãe me levou a reuniões de células comunistas eles nos venderam grãos-de-bico um punhado por ingresso um ingresso custa um tostão e os discursos eram livres todo mundo se sentia angelical e piegas em relação aos trabalhadores havia tanta sinceridade que você nem imagina a coisa boa que era o partido em 1835 Scott Nearing era um idoso maravilhoso um verdadeiro mensch Mamãe Bloor me levou às lágrimas certa vez eu vi Israel Amter em sua inteireza. Todo mundo deve ter sido um espião. [11] [12] [13] [14]

América você não deseja de fato ir à guerra.

América são maus eles russos. [15]

Eles russos eles russos e eles chineses. E eles russos.

A Rússia quer nos comer vivos. Poder louco da Rússia. Ela querer levar nossos carros de nossas garagens.

Ela querer tomar Chicago. Ela precisar de uma Reader’s Digest Vermelha. Ela querer nossas fábricas de carros na Sibéria. Ela enorme burocracia administrando nossos postos de combustível. [16]


Isso não bom. Argh! Ela fazer índios aprender a ler. Ela precisar de enormes crioulos pretos.

Rá! Ela fazer todos trabalhar dezesseis horas por dia. Socorro.

América isso é realmente sério.

América essa é a impressão que tenho ao ver na televisão.

América isso está certo?

Eu preferia chegar logo ao trabalho.

É verdade que eu não quero me alistar no Exército ou

transformar tornos mecânicos em fábricas de peças de precisão,

eu sou míope e psicopata afinal.

América estou dando duro com a disposição de um bicha. [17]

 

 

America

 

 

America I’ve given you all and now I’m nothing.

America two dollars and twentyseven cents January 17, 1956.   

I can’t stand my own mind.

America when will we end the human war?

Go fuck yourself with your atom bomb.

I don’t feel good don’t bother me.

I won’t write my poem till I’m in my right mind.

America when will you be angelic?

When will you take off your clothes?

When will you look at yourself through the grave?

When will you be worthy of your million Trotskyites?

America why are your libraries full of tears?

America when will you send your eggs to India?

I’m sick of your insane demands.

When can I go into the supermarket and buy what I need with my good looks?

America after all it is you and I who are perfect not the next world.   

Your machinery is too much for me.

You made me want to be a saint.

There must be some other way to settle this argument.   

Burroughs is in Tangiers I don’t think he’ll come back it’s sinister.   

Are you being sinister or is this some form of practical joke?   

I’m trying to come to the point.

I refuse to give up my obsession.

America stop pushing I know what I’m doing.

America the plum blossoms are falling.

I haven’t read the newspapers for months, everyday somebody goes on trial for murder.

America I feel sentimental about the Wobblies.

America I used to be a communist when I was a kid I’m not sorry.   

I smoke marijuana every chance I get.

I sit in my house for days on end and stare at the roses in the closet.   

When I go to Chinatown I get drunk and never get laid.   

My mind is made up there’s going to be trouble.

You should have seen me reading Marx.

My psychoanalyst thinks I’m perfectly right.

I won’t say the Lord’s Prayer.

I have mystical visions and cosmic vibrations.

America I still haven’t told you what you did to Uncle Max after he came over from Russia.

I’m addressing you.

Are you going to let your emotional life be run by Time Magazine?   

I’m obsessed by Time Magazine.

I read it every week.

Its cover stares at me every time I slink past the corner candystore.   

I read it in the basement of the Berkeley Public Library.

It’s always telling me about responsibility. Businessmen are serious. Movie producers are serious. Everybody’s serious but me.   

It occurs to me that I am America.

I am talking to myself again.

 

Asia is rising against me.

I haven’t got a chinaman’s chance.

I’d better consider my national resources.

My national resources consist of two joints of marijuana millions of genitals an unpublishable private literature that jetplanes 1400 miles an hour and twentyfive-thousand mental institutions.

I say nothing about my prisons nor the millions of underprivileged who live in my flowerpots under the light of five hundred suns.

I have abolished the whorehouses of France, Tangiers is the next to go.

My ambition is to be President despite the fact that I’m a Catholic.

 

America how can I write a holy litany in your silly mood?

I will continue like Henry Ford my strophes are as individual as his automobiles more so they’re all different sexes.

America I will sell you strophes $2500 apiece $500 down on your old strophe

America free Tom Mooney

America save the Spanish Loyalists

America Sacco & Vanzetti must not die

America I am the Scottsboro boys.

America when I was seven momma took me to Communist Cell meetings they sold us garbanzos a handful per ticket a ticket costs a nickel and the speeches were free everybody was angelic and sentimental about the workers it was all so sincere you have no idea what a good thing the party was in 1835 Scott Nearing was a grand old man a real mensch Mother Bloor the Silk-strikers’ Ewig-Weibliche made me cry I once saw the Yiddish orator Israel Amter plain. Everybody must have been a spy.

America you don’t really want to go to war.

America its them bad Russians.

Them Russians them Russians and them Chinamen. And them Russians.   

The Russia wants to eat us alive. The Russia’s power mad. She wants to take our cars from out our garages.

Her wants to grab Chicago. Her needs a Red Reader’s Digest. Her wants our auto plants in Siberia. Him big bureaucracy running our filling stations.

That no good. Ugh. Him make Indians learn read. Him need big black niggers. Hah. Her make us all work sixteen hours a day. Help.   

America this is quite serious.

America this is the impression I get from looking in the television set.   

America is this correct?

I’d better get right down to the job.

It’s true I don’t want to join the Army or turn lathes in precision parts factories, I’m nearsighted and psychopathic anyway.

America I’m putting my queer shoulder to the wheel.

 

Berkeley, January 17, 1956

 

 

 

 

Notas:

[1] Referência à grave crise fome que vitimou a Índia por longo período, especialmente a região de Bengala, a partir da Segunda Guerra Mundial. Ainda em curso quando o poema foi escrito. Ler sobre isso em http://en.wikipedia.org/wiki/Bengalfamineof1943 ehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Revoluçãoverde.

[2] William S. Burroughs (1914 - 1997): escritor, pintor e crítico social norte-americano.

[3] Wobbly: membro do sindicato Trabalhadores Industriais do Mundo, dedicado à derrubada do capitalismo. Em atividade especialmente no início dos anos 1900.

[4] Chinatown: bairro chinês. Os mais famosos são os de São Francisco, Los Angeles e Nova York. Certamente o poeta se refere ao desta última cidade, onde morou até morrer.

[5] Get laid: gíria norte-americana com várias acepções, dentre as quais, ‘foder’, ‘não pegar ninguém’.

[6] Time Magazine: revista conservadora norte-americana.

[7] Thomas Joseph "Tom" Mooney (1882 - 1942): líder trabalhista e ativista norte-americano sentenciado a vinte e dois anos de prisão pela explosão de uma bomba na parada Prontidão do Dia do Bombardeio, em 1916. (http://en.wikipedia.org/wiki/ThomasMooney)

[8] Legalistas Espanhóis: na Guerra Civil Espanhola, aqueles que eram leais ao recém eleito governo republicano. Foram apoiados pelos soviéticos.

[9] Nicola Sacco & Bartolomeo Vanzetti: anarquistas italianos que foram presos, julgados e condenados nos Estados Unidos na década de 1920, sob a acusação de homicídio do contador e do guarda de uma fábrica de sapatos. Seu julgamento tornou-se famoso e levantou muita controvérsia. Foram condenados à pena de morte e executados em 23 de agosto de 1927 (http://pt.wikipedia.org/wiki/ProcessodeSaccoeVanzetti). Sua história é narrada no livro A Tragédia de Sacco e Vanzetti, de Frank Russell, editado pela Civilização Brasileira (1966).

[10] Scottsboro boys: nome genérico que identifica nove adolescentes negros falsamente acusados de estupro no estado do Alabama em 1931 (http://pt.wikipedia.org/wiki/ScottsboroBoys)

[11] Scott Nearing (1883 - 1983): economista, educador, escritor, ativista político e advogado radical (http://en.wikipedia.org/wiki/ScottNearing)

[12] Em alemão no original – homem.

[13] Ella Reeve "Mother" Bloor (1862 - 1951): coordenadora do trabalho e ativista dos movimentos socialista e comunista norte-americanos. Ela é mais lembrada por haver pertencido ao alto escalão do Partido Comunista dos Estados Unidos. (http://en.wikipedia.org/wiki/EllaReeveBloor)

[14] Israel Amter (1881—1954): politico marxista e membro fundador do Partido Comunista norte-americano (CPUSA).(http://en.wikipedia.org/wiki/IsraelAmter)

[15] Neste trecho, Ginsberg faz uso de pronomes pessoais do caso oblíquo como sujeitos dos verbos, uma incorreção gramatical praticada nos Estados Unidos por imigrantes (como o seu tio Max (talvez), índios e escravos), intraduzível no português. Optei pela conjugação equivocada dos verbos.

[16] Reader’s Digest: a nossa revista ‘Seleções’, porta-voz das políticas conservadoras e do way of life norte-americanos. Para a revista, o que enobrecia as mulheres era ser dona de casa.

[17] To put one’s shoulder on the wheel: literalmente, ‘apoiar nosso ombro na roda’, expressão idiomática que pode ser traduzida por ‘trabalhar arduamente e com tenacidade’. 'Queer' pode tanto ser traduzido por ‘esquisito’ ou ‘estranho’ quanto por ‘bicha’ ou ‘homossexual’ ou 'gay'. A última acepção ainda não era usada na época em que o poema foi escrito.


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