quarta-feira, 15 de abril de 2020

Lisel Mueller (EUA: 1924 – 2020)




Imortalidade


No castelo da Bela Adormecida
o relógio bate os cem anos
e a moça da torre volta ao mundo.
Como também os criados na cozinha,
que nem chegam a esfregar os olhos.
A mão direita do cozinheiro, suspensa
há exatos cem anos,
completa seu arco descendente
rumo ao ouvido esquerdo do garoto da cozinha;
as tensas cordas vocais do garoto
finalmente liberam
o aprisionado, duradouro lamento,
e a mosca parcialmente submersa
na torta de morango,
cumpre sua duradoura missão
e mergulha na doce, vermelha cobertura.

Quando criança eu possuía um livro,
com uma pintura da cena.
Era muito jovem para perceber
como o medo persiste, e como
a raiva que produz o medo persiste,
que sua trajetória não pode ser modificada
ou quebrada, apenas interrompida.
Minha atenção fixava-se na mosca;
no fato de que aquele corpo frágil
com suas asas transparentes
e o tempo de vida de um dia humano
ainda ansiava por seu pedaço especial
de doçura, passado um século.


Immortality


In Sleeping Beauty’s castle
the clock strikes one hundred years
and the girl in the tower returns to the world.
So do the servants in the kitchen,
who don’t even rub their eyes.
The cook’s right hand, lifted
an exact century ago,
completes its downward arc
to the kitchen boy’s left ear;
the boy’s tensed vocal cords
finally let go
the trapped, enduring whimper,
and the fly, arrested mid-plunge
above the strawberry pie,
fulfills its abiding mission
and dives into the sweet, red glaze.

As a child I had a book
with a picture of that scene.
I was too young to notice
how fear persists, and how
the anger that causes fear persists,
that its trajectory can’t be changed
or broken, only interrupted.
My attention was on the fly;
that this slight body
with its transparent wings
and lifespan of one human day
still craved its particular share
of sweetness, a century later.




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